Tuesday, August 14, 2007

“Nadja”


leituras de André Breton



André Breton (1896-1966) escreveu um romance fabuloso, que só recentemente tive oportunidade de ler, por completo, e agora transcrevo e partilho, para quem desconhece, o primeiro parágrafo e a última frase do romance em causa, “Nadja”. Nestes dois excertos, minha eleição na base de uma dica «exegético-literária» de Italo Calvino, todo o romance se (des)constrói. A ler com urgência: eu «acho»! Estou a vivê-lo nas entrelinhas, nos benefícios e nos perigos…


PRIMEIRO PARÁGRAFO: “Quem sou? Se excepcionalmente recorresse a um adágio, tudo poderia realmente resumir-se em saber “com quem ando?” Devo confessar que essa expressão me perturba um pouco, pois tende a estabelecer entre mim e certas pessoas relações mais singulares, menos evitáveis, mais perturbadoras do que poderia imaginar. Diz muito mais do que intenta dizer, faz-me desempenhar em vida o papel de um fantasma, alude evidentemente ao que eu deveria deixar de ser, para ser quem na verdade sou. Tomando-a de forma um tanto abusiva nesta acepção, dá-me a entender que tudo quanto considero manifestações objetivas de minha existência, manifestações mais ou menos deliberadas, não passa, nos limites desta vida, de uma atividade cujo verdadeiro campo permanece para mim inteiramente desconhecido. A representação que tenho do “fantasma” e daquilo que ele representa de convencional, não apenas em seu aspecto mas ainda em sua cega submissão a certas contingências de tempo e de lugar, vale, antes de mais nada, para mim, como imagem finita de um tormento que pode ser eterno. É possível que minha vida não passe de uma imagem desse tipo, e que esteja condenado a voltar sobre meus passos pensando ao contrário que avanço, tentando conhecer o que na verdade devia reconhecer, a apreender uma fraca parcela do quanto esqueci. Essa visão a meu respeito só me parece falsa na medida em que me precede em relação a mim mesmo, situando arbitrariamente num plano de anterioridade uma figura definida do meu pensamento que não tem motivo algum de se comprometer com o tempo, e implicando concomitantemente uma ideia de perda irreparável, de penitência ou queda, cuja falta de uma fundamento moral não poderia, no meu entender, admitir qualquer tipo de discussão. O importante é que as atitudes particulares que descubro lentamente em mim não me distraem em nada da busca de uma atitude geral, que me seria própria e não concedida a mim. Além de toda a espécie de faculdades que reconheço em mim, de afinidades que sinto, de atrações que sofro, de acontecimentos que me atingem e atingem somente a mim, além da quantidade de movimentos que me vejo fazer, de emoções que somente eu experimento, esforço-me, em relação aos outros homens, por saber em que consiste, ou pelo menos de que depende essa minha diferenciação. Não será na medida exata em que adquira consciência dessa diferenciação que poderei ficar sabendo o que entre todos os demais vim fazer neste mundo e qual a mensagem ímpar de que sou portador a ponto de somente eu poder responder por seu destino?” (pp.11-13).

ÚLTIMA FRASE: “A beleza será CONVULSIVA ou não será beleza” (p.152).

FONTE: BRETON, André, Nadja, IMAGO Editora, Rio de Janeiro, 1999, pp. 152. Tradução: Ivo Barroso.
Pedro José Correia

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