Thursday, April 19, 2007

Vamos ressuscitar: (des)considerações sobre poder




Vamos ressuscitar: (des)considerações sobre poder

(Texto - Parte II)


[0.] Um leitor atento e bem informado do artigo anterior como Pretexto (Parte I), agora, diante deste Texto (Parte II) concluirá confirmando a máxima de que nada é pior do que a quase-verdade, ou a meia-verdade. Será mesmo assim? Daremos uma mão á hermenêutica? Ou ela a nós?
[1.] O Poder não deixa ninguém indiferente. Perante ele sempre se assume alguma posição. Muitos vivem para abocanhá-lo; outros, para combatê-lo, outros ainda (na Igreja e também fora), para se submeterem a ele, num carreirismo anti-evangélico. Mas a maioria convive, simplesmente, com ele, no reconhecimento ou na resignação, ou, o mais das vezes, na inconsciência e na passividade. Na prática, o mais comum talvez seja misturar as diferentes atitudes, ao sabor da situação. O Poder, hoje, não é tanto dominação quanto controle. Aparentemente, manipula mais do que reprime. Mas a Igreja faz diferente e faz a diferença. Por isso, queiramos ou não, vivemos todos debaixo do Poder projectado em normas, leis, estatutos, mandamentos, sabendo que, desobedecendo, virão multas, penalidades, castigos, reprovação, pecados, censura, repressão. Mão de ferro, em brasa. Onde houver Poder haverá hierarquia, literalmente sacralização – para o inferior – do poder superior e isso em qualquer situação ou condição [1]. Cabe perguntar, como se reproduzem as relações de Poder (na Igreja)?
[1.1.] O Poder não é um lugar, não é um status, não é um privilégio; é uma Relação [2]. Ou, mais precisamente, a correlação de forças que determina quem, num dado momento, detém o Poder. Qualquer esfera de Poder reveste quem o ocupa de uma Autoridade, uma identidade, que o faz sentir-se acima do comum dos mortais. É mais tentador que sexo e dinheiro. Por isso, o Poder, qualquer poder, só pode ser controlado por outro poder [3]. Na Igreja de Jesus Cristo, diz-se que o Poder é Serviço (relação de serviço, ministerial). Está muito por fazer, nesta realidade, que é quase TUDO. Vamos continuar a convertermo-nos ao Evangelho, “…o mais importante entre vós seja como o mais jovem, e quem manda seja como quem serve” (Lc 22, 26; cfr. Mt 20,26-28; cfr. Mc 10, 43-45).
[2.] No meu avesso, mais interior, digo o que sou por aquilo que leio e vivo. Essa normalidade é a minha anormalidade. Gosto, também, de apresentar-me como uma pessoa com dois interesses: conversar e ler. Mas perante tanto ABUSO, no exercício de Poder, apetece-me, existencialmente, partir das minhas vísceras… e, gritando, deixar escrito na areia da minha fragilidade: “Aqui eu faço o que bem entendo, levanto quando quero, trabalho quando quero, repouso, visto como e se quero, como quero, rezo como quero, vivo, morro como quero. Livre de horários, compromissos, promessas, perturbações do próximo, dos olhos, das broncas, de julgamentos que não sejam o de Deus e da minha consciência. Percebo o que perco, estou aqui não para uma aventura. Estou aqui para sentir-me livre. Saboreei o grande valor da liberdade e o degustei”[4]. Liberdade do peso do estranho, das convenções sociais, também das obrigações/opressões religiosas.
[2.2.] Se tenho de continuar (e vou continuar) a engolir “SAPOS” de Poder (aponto exemplos, não necessariamente por esta ordem: 1º Discriminação da Mulher, negando-lhe o acesso ao serviço-poder-ministério sacerdotal; 2º Pastoral dos recasados; que não passa de “rebuçados/pílulas” de infantilização, quando se nega o direito de comungar; 3º Gestão económica/financeira que se sustenta num “servilismo/funcionalismo” laboral, com indícios de “simonia reciclada”; 4º “Teologia de catecismo” (especialmente na Moral), fundada mais “nos mandamentos de Deus do que no Deus dos mandamentos”, que Jesus Cristo mostrou nos 4 Evangelhos, prova irrefutável do “pluralismo de facto e de iure”, na Tradição e na Teologia). Então, obrigado, mas eu mesmo, “os tempero e asso”, ao meu paladar.
Se tenho de perder para o “Inimigo”, junto-me e durmo com ele!? Vou miná-lo e subvertê-lo, por implosão não-violenta, mas real… desejo-o, poderosamente. Entretanto, ironizo: “-Reforma aos 45 anos, não mais, não menos!? Se compulsivamente não for antes…”

AUTOR: Este é o segundo artigo de uma série de três (I Pretexto; II Texto; III Contexto) que vou escrever sobre o tema do "poder” como uma contribuição para o debate “dentro” e “fora” da Igreja (suas relações). Pedro José, Chapadinha, 17-04-2007. Caracteres (espaço incluídos): 4069
[1] Cfr. VANNUCCHI, Aldo, Cultura Brasileira: O que é, como se faz, Universidade de Sorocaba-Edições Loyola, São Paulo, 32002, pp.63-64.
[2] Como leituras de aprofundamento indico duas pequenas/grandes obras, de dois teólogos que dispensam apresentações, e cujos títulos revelam a necessidade de renovação “já” em curso: HÄRING, Bernhard, É possível mudar: em defesa de uma nova forma de relacionamento na Igreja, Editora Santuário, Aparecida, 1994 [original 1993], pp.112; GONZÁLEZ FAUS, J. Ignacio, “Nenhum bispo imposto” (S. Celestino, papa): As eleições episcopais na história da Igreja, Ed. Paulus, 1996 [original 1992], pp.149.
[3] Cfr. BETTO, Frei, A Mosca Azul, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2006, pp. 89 e 156.
[4] NEGRI, Teodoro, Augusto, Eremita na Selva Amazónica - Diário, Editora Mundo e Missão, São Paulo, s.d., pp.76-77.


Pedro José Lopes Correia

Tuesday, April 10, 2007

Vamos Ressuscitar: des)considerações sobre poder



(Pretexto - Parte I)


Há uma lista - que não quero crer, tendo o desejo profundo que não possa existir - de 450 teólogos[1] condenados pelo Vaticano desde o início do pontificado de João Paulo II, á qual o actual papa (como cardeal, sabemos da sua eficiência) acrescentou, recentemente, mais um: Jon Sobrino, teólogo que foi assessor de Dom Oscar Romero até o martírio deste e, em 1989, não morreu junto com Ignácio Ellacuría, e outros padres jesuítas da sua comunidade, mais a cozinheira e sua filha de 15 anos, que foram assassinados pelo Esquadrão da Morte, porque estava viajando, em trabalho fora da sua comunidade. A “lista” e Jon Sobrino são o pretexto, o texto, e também, o contexto, de uma série tripartida. Para perguntar: Que Poder é este na Igreja? Autoridade em nome de quê? Que justificativas sagradas para? Nada de presunção jornalística… mas uma reflexão alternativa ou nem tanto assim.
Da tal lista vermelha, como o sangue do cordeiro, não a radicalizo mais na sua crueza, recordo apenas alguns nomes exemplares. Pleno de boa-fé, entre parenteses, coloco anotações pessoais: Eis a sucinta enumeração: Hans Kung em 1975 e 1980 [leitura aconselhada como infalível pelo meu professor de eclesiologia, ainda hoje recordo seus ensinamentos e sua postura eclesial]; Jacques Pohier em 1979 [li no Brasil no campo pastoral e para dentro do confessionário, em segunda mão, por Carlos Morano[2]. Espero um dia poder ler: “Quand je dis Dieu” (1997), obra que lhe acarretou a proibição de ensinar, pregar e celebrar eucaristia, e ainda a obra onde ele reflecte as repercussões destas sanções, “Dieu fractures”]; Schillebeeckx em 1980, 1984 e 1986 [leitura fundamental em sacramentalogia e liturgia]; Leonardo Boff em 1985 [leitura constante desde o meu aprendizado teológico, hoje, ainda escreve com 50 anos de avanço ao que nós vivemos…bem haja, seu processo de reconhecimento e perdão, será revisto num futuro não longínquo, para Deus mil anos são um dia…]; Charles Curran em 1986; Tissa Balasuriya, em 1997; Anthony de Mello, em 1998 [Leio e saboreio tudo dele. Místico humorístico, exemplo de inculturação, meu guia espiritual nas noites escuras de sexta-feira e nos dias de Páscoa; insubstituível…]; Reinhard Messner, em 2000; Jacques Dupuis [já compulsei suas obras, o livro”Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso”(pp.600), comprei-o em saldo, está na estante do meu quarto para ser devorado… pois a força das suas ideias é irrecusável] e Marciano Vidal, em 2001 [enquanto estudante de teologia moral, lembro-me que suei para poder comprar a sua obra enciclopédica “Moral de Atitudes” (4 grossos volumes); e num encontro nacional de estudantes de teologia, em Beja, pedi-lhe um autografo após a excelente conferência…]; Roger Haight, em 2004 [aqui nas livrarias de S. Luís do Maranhão, encontrei o livro “Jesus, Símbolo de Deus” (pp.575), mais penitências privadas e paguei “O” livro que me afastou ainda mais do inferno: já li e reli, risquei e rasurei, anotei e sonhei, enfim…é uma investigação ousada e inovadora, fundamental para a Cristologia pós-moderma]. Nenhum deles, porém, foi excomungado como apregoam os fundamentalistas católicos[3].
Com estas referências, como estarão o meu coração, as minhas forças e o meu entendimento? Não penses: pensar não, viver sim. A Vida é feita de pensamento e sentimento. A Fé sem Teologia, não sobrevive. A Teologia sem Fé, não é teologia mas ideologia. A boa Teologia está a ser assassinada? Podíamos até dolorosamente pensar numa indução a uma espécie de “suicídio intelectual-moral”, como a recente proposta da Congregação para a Doutrina da Fé, repetindo exemplos e métodos “antigos”, para que Jon Sobrino, se retrata-se diante do “texto” da Notificação, da dita Congregação, o que ele não aceitou profeticamente fazer[4]. A Igreja deve proteger a Fé e a Teologia, e não ser madrasta (há quem afirme com conhecimento de causa: corrupta e impiedosa, ou “casta meretriz”). A Igreja Católica é institucionalmente pesada e lenta, em todas as partes. Não estou a pedir, porque é direito/dever, leveza e rapidez. Desejo fidelidade à consciência dos teólogos, santuário do Espírito Santo e não cárcere do Magistério, esse sim, pesado e lento.

Pedro José Lopes Correia


AUTOR: Este é o primeiro artigo de uma série de três (I Pretexto; II Texto; III Contexto) que vou escrever sobre o tema do "poder” como uma contribuição para o debate “dentro” e “fora” da Igreja (suas relações). Pedro José, Chapadinha, 08-04-2007. Caracteres (espaço incluídos): 4245

[1] Cfr. BARROS, Marcelo, “El Salvador: Somos todos pecadores” in http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26688, acesso: 30-03-07. [2] MORANO, Carlos Domínguez, Crer depois de Freud, Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2003 [Original: 1992], pp.342. Esta obra faz a reconciliação entre a experiência psicanalítica e a experiência da fé, aplicando a esta o que de mais válido se encontra no texto freudiano. Oração, imagem de Deus, culpa, pecado e salvação, sexo, dinheiro e PODER (especialmente capítulo 9 “A ninguém na terra chameis de vosso pai” (pp.203-232); e capítulos 11 e 12, sobre as relações intra-eclesiais (pp.263-332). Já li e estudei e vou reler, as vezes necessárias, este livro provocador, na melhor acepção do termo. [3] Cfr. BETTO, Frei, “Mundo: Sombras da Inquisição” in http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26752, acesso: 17-03-07. Tomamos deste autor a “mini-lista”, onde o mesmo questiona com gravidade: “Como renovar a Igreja Católica se suas melhores cabeças estão sob a guilhotina de quem enxerga heresia onde há fidelidade do Espírito Santo?”. Outra defesa muito credível dos Teólogos é feita por VALLÉS, Carlos González, S.J., Querida Igreja, Ed. Paulus, 21998. Capítulo 2 “Os aprisionados pelo medo”; e capítulo 10 “A abelha e os zangões” (Carta da Teóloga Ivone Gebara, após a imposição de 2 anos de silêncio por parte do Vaticano, em 1995). Nesta obra afirma-se categoricamente: “Temos teólogos excelentes que não publicam livros por medo de censura. Temos teólogos claros e diáfanos em seu pensar que escrevem livros obscuros e difusos por temor de ser entendidos. (…) Temos editores religiosos que não conseguem que os melhores especialistas na matéria lhes escrevam os livros que insistentemente lhes são propostos, por não desejarem comprometer-se. A investigação teológica é feita hoje sob o signo do temor. Isso não é sadio”, p.17. [4] Podemos conferir a afirmativa pela leitura (parcialmente pública) da dolorosa e inacreditável descrição, que sofre desde há 30 anos, nas relações com hierarquia vaticana, através da leitura da carta que este teólogo escreveu ao P. Kolvenbach, superior dos Jesuítas.